Deliberação 890/2010 – Aplicável aos tratamentos de dados pessoais com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores

Ago 23, 2021 | Decisões CNPD

Têm dado entrada na Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) inúmeros pedidos de legalização de tratamentos de dados no âmbito dos controlos de alcoolemia e de droga efectuados a trabalhadores.

Tais tratamentos de dados, por permitirem a identificação de perfis de comportamento dos trabalhadores abrangidos por estes controlos, implicam o tratamento de dados sensíveis, os quais assumem esta natureza, quer por se tratar de dados de saúde, por um lado, e, por outro, por se inserirem na noção de dados relativos à “vida privada”.

A CNPD colaborou com o Instituto da Droga e da Toxicodependência, I.P. (IDT) no âmbito do protocolo “Prevenção de Riscos em Meio Laboral”, firmado entre aquela instituição e a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), tendo
o trabalho sido desenvolvido por um grupo de trabalho restrito que englobou técnicos do IDT, da ACT, representantes da CNPD, da Confederação da Indústria Portuguesa, da Confederação do Comércio Português, da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, da Direcção-Geral de Saúde, da Sociedade Portuguesa de Medicina no Trabalho e da União Geral dos Trabalhadores.

Como resultado final do trabalho desenvolvido no âmbito do protocolo supra identificado foi elaborado um documento intitulado “Segurança e Saúde do Trabalho e a Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoactivas: Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral”, o qual veio a ser formalmente aprovado pela CNPD por via da Deliberação n.º 440/2010, de 14 de Junho.

Tomando como linha de partida o referencial legislativo em vigor, bem como a jurisprudência relevante na matéria, cumpre analisar e delimitar os princípios a observar pela CNPD na apreciação das notificações de tratamentos com esta finalidade que lhe sejam submetidos, na qual será feita remissão directa para os fundamentos jurídicos aqui enunciados.

Pretende-se, igualmente, com esta Deliberação:
– Disponibilizar aos responsáveis dos tratamentos os princípios de protecção de dados aplicáveis nestas situações e estabelecer as regras orientadoras para o correcto cumprimento da Lei de Protecção de Dados;
– Dar a conhecer aos trabalhadores, titulares desses dados, os direitos que lhes assistem e os limites estabelecidos para estes tratamentos de dados.

Assim, tendo em conta:
– A Convenção 108 do Conselho da Europa, de 28 de Janeiro de 1981;
– A Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro;
– O artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa;
– A Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro;
– O Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro;
– A Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro;
– A Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 18 de Setembro, que aprova o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências 2005-2012;
– A Resolução do Conselho de Ministros n.º 59/2008, de 1 de Abril, que aprova a Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho, para o período 2008-2012. A Comissão Nacional de Protecção de Dados delibera estabelecer as condições gerais para os tratamentos de dados pessoais com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de alcoolemia e de droga efectuados a trabalhadores.

Enquadramento

A promoção da segurança e saúde no trabalho assenta no papel activo do indivíduo/trabalhador, o qual assume a responsabilidade pela gestão das suas acções, nomeadamente no que diz respeito ao consumo de substâncias psicoactivas.

A prevenção e dissuasão dos problemas associados ao consumo deste tipo de substâncias em ambiente de trabalho devem ser encaradas como uma intervenção global que envolva a participação de todos os actores da organização, com vista à optimização e eficácia das medidas implementadas.

Por um lado, a livre adesão do trabalhador constitui condição essencial de eficácia da intervenção em meio laboral.

Por outro lado, afigura-se imprescindível reforçar a importância de incrementar políticas gerais de prevenção das dependências que contemplem iniciativas ao nível preventivo e no tratamento das situações detectadas, tendo em vista a manutenção do trabalhador na organização[1]A título exemplificativo de boas-práticas neste âmbito refere-se os Programas de Assistência aos Trabalhadores (PAT) que são uma forma de enquadramento criada, opcionalmente, por algumas … Continue reading .

A participação dos trabalhadores e dos seus representantes na concepção e na definição das políticas a preconizar apresenta-se como pedra de toque no sucesso da implementação dos programas de prevenção. Esta participação é obrigatória nos termos do disposto nos artigos 26.º e seguintes da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro.

A política de saúde e segurança nas empresas e noutras organizações deve reflectir um compromisso entre todos os intervenientes devendo ser conhecida de todos e vazada em documento que caracterize os objectivos, as respostas existentes e os procedimentos a adoptar caso a essa politica adoptada não seja respeitada.

Cumpre analisar a problemática dos consumos de substâncias psicoactivas em contexto laboral e efectuar uma ponderação sobre a adequação, proporcionalidade e potencial discriminatório associados à implementação de controlos destas substâncias face às finalidades determinantes na recolha e tratamento dos respectivos resultados.

No contexto do supra mencionado protocolo “Prevenção de Riscos em Meio Laboral”, firmado entre o IDT e a ACT, estabeleceram-se os seguintes princípios orientadores da intervenção em meio laboral[2]Segurança e Saúde do Trabalho e a Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoactivas: Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral,IDT-ACT :
 «As políticas e os programas em matéria do consumo de substâncias psicoactivas devem promover a prevenção e o tratamento dos problemas ligados ao consumo de substâncias psicoactivas no local de trabalho;
 Para fomentar a segurança e saúde do local de trabalho devem ser levados a cabo programas de informação, formação e qualificação sobre substâncias psicoactivas que devem, na medida do possível, ser integrados em programas de segurança e saúde mais amplos;  Deve estabelecer-se um sistema que assegure o carácter confidencial de toda a informação, em todos os pontos da cadeia de custódia assim como durante o tratamento e a reabilitação;
 Os problemas ligados ao consumo de substâncias psicoactivas no local de trabalho são considerados problemas de saúde. Os trabalhadores que desejem ser alvo de intervenção clínica não devem ser objecto de discriminação por parte do empregador e devem gozar da segurança do emprego e das mesmas oportunidades de promoção dos seus pares;
 O tratamento e a reabilitação só poderão processar-se mediante a aceitação voluntária do trabalhador, no respeito pela liberdade pessoal, não podendo ser impostos, designadamente por recurso a formas de coacção;
 A dependência de drogas ou álcool deve ser entendida como uma doença e tratada como tal no que respeita a incapacidade temporária, subsídio de doença e outros benefícios sociais, especialmente nos períodos em que o trabalhador se encontra em tratamento;
 Todas as informações relativas ao processo de reabilitação e tratamento deverão manter-se estritamente confidenciais;
 Durante o tratamento, o empregador deve garantir a manutenção do posto de trabalho do trabalhador enquanto este se encontrar em tratamento ou garantir a sua transferência para outras funções que não constituam risco para a segurança do próprio ou de terceiros, sem perda de direitos ou outras regalias.»

A dependência, tal como defendido na Declaração de Lisboa[3]A Declaração de Lisboa foi elaborada e adoptada pelos delegados ao Congresso Internacional de Toxicodependência, V Encontro das Taipas, realizado em Lisboa, em Abril de 1992. A Adenda à … Continue reading , deve ser encarada como uma situação transitória. O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, expressamente prevê que, «para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação»[4]Cfr. n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho .

Na linha do que vem sendo defendido pelo Grupo de Cooperação em Matéria de Luta contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Grupo Pompidou) do Conselho da Europa[5]O Grupo de Cooperação em Matéria de Luta contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Grupo Pompidou) é uma instância permanente do Conselho da Europa … Continue reading , sustenta-se que «a aplicação de testes deverá ser encarada para um número restrito de profissões ligadas a altos níveis de segurança e performance e de acordo com parâmetros bem definidos pela organização, na relação dose laboratorial topológica da substância psicoactiva versus o seu efeito na afectação funcional e na capacidade de funções mentais e de movimento, conforme a CIF-OMS e os testes deverão ser aplicados sob solicitação e/ou responsabilidade do médico do trabalho».

Igual entendimento foi preconizado pela então Inspecção-Geral do Trabalho ao defender que «os regulamentos internos podem conter regras sobre o controlo de alcoolemia, desde que compatíveis com os direitos de personalidade dos trabalhadores e o princípio geral da proporcionalidade e não discriminação. Os testes devem ser realizados com respeito pela privacidade da vida privada do trabalhador e através dos serviços de SHST ou do médico do trabalho»[6]ABÍLIO NETO, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados – 1.ª Edição, 2009, pp. 148 (anotação
6. ao artigo 19.º)
.

Na mesma senda veio o Supremo Tribunal Administrativo proferir acórdão[7]Ac. de 09.09.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 76/10 onde se pode ler:

«Com efeito, estando-se perante a compressão de um direito fundamental, será desadequado sujeitar a globalidade dos trabalhadores à possibilidade de realização de testes de alcoolemia, fazendo o tratamento dos respectivos dados, se o fim de prevenir problemas decorrentes do respectivo consumo for atingido através de medidas incidentes sobre certas categorias cujo consumo envolve maiores riscos para terceiros e para os próprios.

Temos universos distintos de trabalhadores, que merecem, como tal, atitudes diferentes por parte da Administração.»

E acrescenta:

«Como este STA tem reiteradamente considerado, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição de arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes” (Acs. de 13.11.2008 – Rec. 73/08 e de 26.09.2007 – Rec. 1.187/06).

E por essa mesma razão, como bem se decidiu, a sujeição indiscriminada e generalizada de todos os funcionários do recorrente aos referidos testes de alcoolemia, para efeito de tratamento de dados, afrontaria igualmente – ela sim – o princípio da proporcionalidade, que impõe à Administração a prossecução do fim legal em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar, “segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. Revista, pág. 924)».

A CNPD acompanha também os resultados do trabalho desenvolvido junto da parceria IDT/ACT, considerando que «o rastreio já não será aceitável em termos legais (de princípios de proporcionalidade, adequabilidade e razoabilidade), quando não exista uma razão objectiva para o realizar em função da segurança para outros trabalhadores, para os utentes dos serviços ou para a comunidade em geral ou quando, desse ponto de vista, os risco sejam mínimos.»

Em súmula, e nos termos adoptados na Deliberação n.º 440/2010, de 14 de Junho, desta CNPD:

Os princípios orientadores da intervenção em meio laboral sobre a matéria de consumo de substância psicoactivas deve assentar em:
a) Promover a prevenção e o tratamento com programas de informação, formação e qualificação sobre as substâncias psicoactivas integrados em programas de saúde mais amplos;
b) Garantir a confidencialidade de toda a informação em todos os pontos do processo de detecção, tratamento e reabilitação;
c) Inexistência de qualquer forma de discriminação, por parte dos empregadores, dos trabalhadores que se querem sujeitar a tratamentos, sendo-lhes garantidos o posto de trabalho e as mesmas oportunidades de promoção considerando-se, enquanto durar o tratamento, a sua eventual transferência para funções que não constituam risco para a segurança do próprio ou de terceiros, sem perda de direitos ou outras regalias;
d) Absoluta aceitação voluntária por parte do trabalhador não se lhe podendo impor qualquer tratamento contra a sua vontade;
e) Consideração de que o problema do consumo de substâncias psicoactivas deve ser entendido como uma questão de saúde e tratado como tal no que respeita a todos os aspectos nomeadamente incapacidade temporária, subsidio de doença e outros benefícios sociais;
f) Procedimentos integrados exclusivamente no âmbito da medicina do trabalho não devendo existir em qualquer outro contexto;
g) Procedimentos estatuídos em regulamento onde constem: as substâncias alvo da detecção, as categorias profissionais que se justifica serem alvo dos testes, as circunstâncias da aplicação dos testes, os profissionais envolvidos sendo sempre obrigados a sigilo e submetidos à responsabilidade do médico do trabalho, a frequência dos testes, a homologação dos aparelhos de teste, a oportunidade da contra-prova e sua gratuidade, os procedimentos a adoptar em caso de teste positivo, a comunicação à entidade patronal unicamente por ficha de aptidão com a menção de apto ou não apto, a sujeição a processo disciplinar face a uma prestação laboral considerada fraca e inaceitável independentemente do consumo;
h) Reconhecimento de que os testes se destinam exclusivamente a verificar a aptidão do trabalhador para o desempenho das suas funções e só podem ser efectuados no estrito cumprimento da lei (Código do Trabalho e Lei 102/2009, de 10 de Setembro); i) Reconhecimento de que os testes de despistagem de consumos de substâncias psicoactivas põe em causa direitos, liberdades e garantias consagrados nos artigos 25.º e 26.º da Constituição da Republica
Portuguesa, nomeadamente o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade da vida privada;
j) Condenação da criação de sanções à margem da lei como seja considerar justa causa de despedimento o mero consumo de substâncias psicoactivas em si.

Controlo prévio

Os tratamentos de dados com a finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores incidem sobre dados sensíveis, pelo que, nos termos da alínea a) do artigo 28º da LPD, estão sujeitos a controlo prévio.

Consequentemente, tais tratamentos não poderão iniciar-se antes da obtenção da respectiva Autorização da CNPD, a emitir nos termos e condições fixadas após notificação do tratamento a esta Comissão

Responsável pelo Tratamento

Nos termos da alínea d) do artigo 3.º da Lei 67/98, o responsável pelo tratamento é “a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais”.

A entidade responsável pelo tratamento de dados decorrentes de controlos de alcoolemia ou de consumos de droga é a entidade empregadora, sem prejuízo da obrigatoriedade de o tratamento se efectuar no âmbito dos Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho ou de prestação de serviços neste sector.

Finalidade do tratamento

A finalidade destes tratamentos de dados tem, necessariamente, de ser subsumida à finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de substâncias psicoactivas efectuados a trabalhadores.

No entanto, admite-se a sua utilização para efeito de prova no âmbito de procedimento disciplinar em curso, cuja fundamentação assente nas causas tipificadas no Código de Trabalho.

Ressalva-se que o consumo de substâncias psicoactivas em si não constitui justa causa de despedimento, mas antes o comportamento que dali, eventualmente, possa ser subsumido no âmbito do disposto no artigo 351.º do Código de Trabalho.

A utilização dos dados para finalidade diversa tem de ser objecto de autorização da CNPD, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei 67/98.

Qualidade dos dados

Os dados pessoais tratados devem ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente à finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito dos controlos de alcoolemia e de droga efectuados a trabalhadores (cfr. artigo 5.º da Lei 67/98). Neste contexto devem, ainda, ser respeitados os seguintes pressupostos no tratamento de dados em causa:
a) Que o âmbito de aplicação seja restrito às categorias de trabalhadores cuja actividade possa pôr em perigo a sua integridade física ou de terceiros, desde que concretamente justificadas em nome de razões ponderosas de interesse público relevante ou que estejam em conflito com outros direitos constitucionalmente consagrados;
b) Que o tratamento de dados esteja enquadrado em programa de saúde ocupacional com carácter de medicina preventiva e curativa; e
c) Que seja elaborado regulamento para o efeito, de acordo com as orientações constantes nas “Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral” (IDT/ACT) já referidas, onde tenha sido assegurada a participação dos representantes dos trabalhadores.

Condições de legitimidade

A legitimidade para estes tratamentos decorre do interesse público importante subjacente ao tratamento, indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do responsável, atentos os pressupostos supra mencionados, com
«garantias de não discriminação» e sendo adoptadas as «medidas de segurança» adequadas (cf. n.º 2 do artigo 7.º da Lei 67/98).

O interesse público previsto no n.º 2 do artigo 7º da Lei 67/98 é qualificado, pelo que apenas releva o interesse público se este for importante.

Nos tratamentos de dados pessoais com a finalidade em análise é o perigo para a integridade física do próprio ou de terceiros que justifica o interesse público importante, assente em nome de motivos ponderosos quando existam
razões objectivas em função da segurança para o próprio, para outros trabalhadores, para os utentes dos serviços ou para a comunidade em geral, não bastando a alegação de perigo indirecto, reflexo ou remoto, ou quando, os riscos sejam mínimos.

Categorias de dados tratados

Mostram-se necessárias para a prossecução desta finalidade as seguintes categorias de dados:
 Dados de identificação do trabalhador;
 Dados de saúde relacionados com o consumo, incluindo plano terapêutico;
 As substâncias alvo de detecção/controlo;
 As circunstâncias da aplicação dos testes;
 Dados de identificação dos profissionais de saúde envolvidos na detecção (obrigados ao dever de sigilo);
 A frequência do controlo e a respectiva fundamentação;
 Datas de realização do controlo;
 Resultado do controlo;
 Eventuais resultados de contraprova por organismo credenciado;
 Procedimentos adoptados no caso de resultado positivo.

Estas informações, quando necessárias para a avaliação da aptidão dos trabalhadores, enquadram-se no conceito de informação médica, tal como descrito no artigo 5.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro. Decisões individuais automatizadas

Não são admitidas, nos termos do n.º 1, do artigo 13º, da Lei n.º 67/98, decisões que produzam efeitos na esfera jurídica do trabalhador ou que o afectem de modo significativo, tomadas exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional.

Tratamento efectuado por subcontratante

Caso o empregador, responsável pelo tratamento, na organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho opte pela contratação, para a prestação destes serviços, de uma entidade externa, deve essa prestação de serviços ser
regida por um contrato ou acto jurídico que vincule a entidade (subcontratante) ao responsável pelo tratamento.

Nesse contrato ou acto jurídico, o qual deverá revestir a forma escrita, com valor probatório legalmente reconhecido, deve constar que o subcontratante apenas actua mediante instruções do responsável pelo tratamento e que lhe incumbe a obrigação de pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, bem como para garantir um nível de segurança adequado em relação aos riscos inerente ao tratamento e à natureza dos dados a proteger (cf. artigo 14.º da Lei n.º 67/98).

Medidas de Segurança

Em relação à segurança da informação – e porque estão em causa dados sensíveis, designadamente dados de saúde – importa considerar as medidas previstas no artigo 15.º da Lei 67/98. Tais medidas devem aplicar-se tanto aos dados contidos em ficheiros automatizados, como aos dados manuais. Importa ainda ter em atenção os procedimentos concretos quanto às formas de recolha, processamento e circulação da informação.

Em primeiro lugar, e quanto aos dados automatizados, o sistema deve garantir uma separação lógica entre os dados referentes à saúde e os restantes dados pessoais, de natureza administrativa (artigo 15º nº 3 da Lei 67/98). Nesse sentido, o sistema informatizado deve estar estruturado, de modo a permitir o acesso à informação de acordo com os diferentes níveis de acesso dos utilizadores, sendo atribuídas palavras-passe de software que disciplinem as autorizações de acesso. Tais palavras-passe devem ainda ser periodicamente alteradas e eliminado perfil utilizador logo que este deixe de ter privilégios de acesso.

Devem, pois, ser adoptadas medidas de segurança que impeçam o acesso à informação a pessoas não autorizadas.

As observações clínicas relativas à informação de saúde são anotadas em ficha própria que serve de base ao preenchimento da «ficha de aptidão», a qual, sendo remetida ao responsável pela área dos recursos humanos, não
pode conter elementos que envolvam segredo profissional (n.º 3 do artigo 110.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro);

A informação de saúde deverá ser de acesso restrito ao médico do trabalho ou, sob a sua direcção e controlo, a outros profissionais de saúde obrigados a sigilo profissional.

A informação de saúde, na qual se incluem os resultados dos testes, em caso algum poderá ser comunicada ao empregador, apenas sendo dado conhecimento do estado de aptidão do trabalhador em termos de apto,
não apto ou, ainda, apto com restrições. Sempre que haja circulação da informação de saúde em rede, a transmissão dos dados deve ser cifrada (nº 4 do artigo 15.º da Lei 67/98).

Ainda no âmbito das condições de segurança, deve ser garantido um acesso restrito, sob o ponto de vista físico e lógico, aos servidores do sistema, que devem manter um registo de auditoria de acesso à informação sensível.

De igual modo, devem ser feitas cópias de segurança (back-ups) da informação, as quais deverão ser mantidas em local apenas acessível ao administrador de sistema.

No que diz respeito aos dados contidos em suporte de papel, devem ser adoptadas medidas organizacionais, que garantam um nível de segurança idêntico, impedindo o acesso e manuseamento indevidos.

Quando a recolha de dados pessoais referentes à saúde não for efectuada directamente pelo profissional de saúde[8]Note-se que o teste de controlo terá sempre de ser efectuado por profissional de saúde. (por exemplo, preenchimento de um questionário directamente pelo titular dos dados), têm de ser tomadas medidas concretas quanto à circulação dessa informação, que impeçam a visualização dos dados por pessoa não autorizada (alíneas b) e h) do nº 1 do artigo 15.º da lei 67/98), designadamente mediante a entrega directa ao profissional de saúde ou entrega nos serviços, em envelope fechado, endereçado ao profissional de saúde.

Independentemente das medidas de segurança adoptadas pela entidade responsável pelo tratamento, é a esta que cabe assegurar o resultado da efectiva segurança da informação e dos dados tratados. Comunicação de Dados

Sem prejuízo das comunicações legalmente previstas, não pode haver comunicação de dados. A ficha clínica só pode ser facultada às autoridades
de saúde e aos médicos da Autoridade para as Condições de Trabalho (cf. n.º 2 do artigo 109.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro). Prazo de conservação da informação

Nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 5º da Lei 67/98, os dados pessoais apenas podem ser conservados durante o período necessário para prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.

Neste sentido, atenta a sensibilidade dos dados pessoais objecto de tratamento, fixa-se o prazo máximo de conservação da informação em um ano.
Nas situações de existência de processo judicial, nomeadamente decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, a informação pode ser conservada para além daquele prazo, enquanto se mostrar necessária, designadamente para comprovação da situação de doença.

Direito de informação

A prestação de informação por parte do responsável do tratamento ao titular dos dados é um direito essencial no regime de protecção de dados, com consagração constitucional. Ademais, o direito de informação é corolário dos princípios da boa fé, da lealdade e da transparência, pelo que o titular dos dados deve «ter conhecimento da existência de um tratamento de dados pessoais e obter, no momento em que os dados lhe são pedidos, uma informação rigorosa e completa das circunstâncias dessa recolha» (cf. Considerando 38 da Directiva 95/46/CE).

Assim sendo, deve o responsável pelo tratamento, no momento da recolha dos dados, garantir que são fornecidas ao trabalhador (titular dos dados) todas as informações constantes do nº 1 do artigo 10º da Lei 67/98.

Direito de acesso e rectificação

O direito de acesso aos seus dados pessoais por parte do titular, bem como o direito de os rectificar são igualmente direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 35.º da CRP), essenciais para a verificação dos princípios da adequação, pertinência, exactidão e actualização dos dados pessoais (alíneas c) e d) do artigo 5.º da Lei 67/98).

No âmbito da finalidade de medicina preventiva e curativa no âmbito do controlo de alcoolemia ou de consumos de droga, devido à natureza diversa dos dados objecto de tratamento, aplicam-se duas regras distintas para o exercício do direito de acesso. Destas diferentes formas de acesso deve ser dado conhecimento ao titular dos dados aquando da prestação do direito de informação.

Nos termos do nº 1 do artigo 11º da Lei 67/98, o titular dos dados tem o direito de obter directamente do responsável do tratamento, livremente, sem restrições, com periodicidade razoável, sem demoras ou custos excessivos, o conjunto das informações previstas nas alíneas a) a e) da norma acima mencionada.

Havendo, no contexto desta finalidade, lugar ao tratamento de dados de saúde, o direito de acesso deverá ser exercido, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º da Lei 67/98, isto é, por intermédio de médico escolhido pelo titular dos dados, que pode ser, a solicitação do trabalhador, o médico do trabalho. Quanto ao direito de rectificação, este é exercido junto do responsável pelo tratamento, que deverá estabelecer a forma como o titular dos dados o pode fazer, no momento da prestação do direito de informação.

No entanto, dada a especificidade do tratamento de dados de saúde, quando houver lugar ao exercício do direito de rectificação deste tipo de dados, deverá o trabalhador exercê-lo directamente junto do médico do trabalho ou de profissional de saúde sujeito a segredo profissional, uma vez que o conhecimento destes dados está limitado a estas pessoas.

Lisboa, 15 de Novembro de 2010

Ana Roque, Carlos Campos Lobo, Luís Paiva de Andrade, Helena Delgado António, Luís Barroso, Vasco Almeida, Luís Lingnau Silveira (Presidente)

References

References
1A título exemplificativo de boas-práticas neste âmbito refere-se os Programas de Assistência aos Trabalhadores (PAT) que são uma forma de enquadramento criada, opcionalmente, por algumas organizações, para abordar a dimensão psicossocial da saúde dos trabalhadores, consistindo num conjunto de intervenções que prevêem o apoio aos trabalhadores com problemas relacionados com o consumo de substâncias psicoactivas e às suas famílias.
2Segurança e Saúde do Trabalho e a Prevenção do Consumo de Substâncias Psicoactivas: Linhas Orientadoras para a Intervenção em Meio Laboral,IDT-ACT
3A Declaração de Lisboa foi elaborada e adoptada pelos delegados ao Congresso Internacional de
Toxicodependência, V Encontro das Taipas, realizado em Lisboa, em Abril de 1992. A Adenda à Declaração de Lisboa
foi elaborada durante o I Simpósio Europeu “O Médico Generalista/Médico de Família e o Toxicodependente”,
realizado no Algarve, em 1 e 2 de Abril de 1997.
4Cfr. n.º 1 do artigo 19.º do Código do Trabalho
5O Grupo de Cooperação em Matéria de Luta contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Grupo Pompidou) é uma instância permanente do Conselho da Europa cujo objectivo é o desenvolvimento da cooperação multidisciplinar no âmbito da luta contra o abuso e o tráfico ilícito de drogas no espaço europeu.
6ABÍLIO NETO, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados – 1.ª Edição, 2009, pp. 148 (anotação
6. ao artigo 19.º)
7Ac. de 09.09.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 76/10
8Note-se que o teste de controlo terá sempre de ser efectuado por profissional de saúde.