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I – Introdução
1. O progresso da medicina e, por conseguinte, o progresso do bem-estar das pessoas depende, em muito larga medida, da investigação científica e médica, as quais recorrem, inevitavelmente, à experimentação em seres humanos.
Imediatamente se adivinham as responsabilidades e riscos inerentes a esta experimentação e, consequentemente, a necessidade de observar, com rigor, os princípios científicos comummente aceites, a melhor tecnologia disponível e a mais autorizada literatura científica existente.
2. Mas não são apenas as regras científicas e técnicas que se impõem na investigação médica. A investigação médica não é um fim em si mesmo e a ideia de progresso da ciência e da medicina não se justifica só por si, senão antes e apenas de modo instrumental, na medida em que contribuem decisivamente para o aumento do bem-estar das pessoas e de progresso da humanidade. A investigação médica visa melhorar os meios preventivos, de diagnóstico e de terapia, além de aprofundar os conhecimentos das doenças, mantendo sempre a prioridade da vida, da saúde, da intimidade e da dignidade de cada indivíduo, de cada ser humano, de cada pessoa.
3. Por isso, não se impõem apenas requisitos científicos e técnicos. Outras exigências, legais, jurídicas e éticas são colocadas na experimentação médica em seres humanos[1]Sobre estes pontos, ver Declaração de Helsínquia, adoptada pela Associação Médica Mundial em 4 de Dezembro de 2001 .
4. Desde logo, por força da alínea c) do nº 1 do artigo 6º da Lei 46/2004, de 19 de Agosto (doravante, Lei dos Ensaios Clínicos ou apenas Lei 46/2004), é condição mínima de protecção dos participantes a garantia do direito à privacidade e à protecção dos dados pessoais das pessoas, de acordo com os respectivos regimes jurídicos.
5. A presente deliberação propõe-se estabelecer os princípios orientadores e conformadores do tratamento dos dados pessoais dos participantes em ensaios clínicos, sobretudo à luz da Lei de Protecção de Dados Pessoais – LPD: Lei 67/98, de 26 de Outubro, que transpôs a Directiva 95/46/CE, do Parlamento e do Conselho – e da Lei dos Ensaios Clínicos – Lei 46/2004, de 19 de Agosto, que transpôs a Directiva 2001/20/CE, do Parlamento e do Conselho, de 4 de Abril, sem prejuízo do eventual recurso a outras normas constantes de legislação internacional, comunitária, constitucional (CRP) ou ordinária.
II – Finalidade do tratamento
1. A finalidade é um elemento determinante para a aferição da admissibilidade e condicionantes dos tratamentos de dados pessoais.
2. A alínea b) do nº 1 do artigo 5º da LPD diz que os dados pessoais objecto de tratamento devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essa finalidade.
3. O Ponto 18. da Declaração de Helsínquia diz que a investigação em seres humanos só deve realizar-se quando a importância do seu objectivo for maior que os inerentes riscos e incómodos para o indivíduo.
4. De resto e ainda segundo o Ponto 5. da mesma Declaração, a preocupação com o bem-estar dos seres humanos participantes nos ensaios clínicos deve ter sempre primazia sobre os interesses da ciência e da sociedade.
5. Sendo assim, a finalidade do tratamento de dados pessoais deve ser a do ensaio clínico concreto que se pretende realizar, devendo este ser apresentado explicitamente, de forma descritiva e sopesada no que toca aos custosbenefícios, sempre dentro dos limites apresentados pelo quadro traçado pela alínea a) do artigo 2º da Lei 46/2004
III – Entidade responsável pelo tratamento de dados pessoais
1. De acordo com a alínea d) do artigo 3º da LPD, o responsável pelo tratamento é “a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine
as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios de tratamento sejam determinados por disposições legislativas ou regulamentares, o responsável pelo tratamento deve ser indicado na lei de organização e funcionamento ou no estatuto da entidade legal ou estatutariamente competente para tratar os dados pessoais em causa.”
2. A Lei 46/2004 considera, na sua Secção II, que são responsáveis pela realização do ensaio o Promotor, o Investigador e o Monitor: artigos 9º a 11º.
3. No entanto, apesar da aparente coincidência, são distintas as entidades responsáveis pela realização do ensaio e as entidades responsáveis pelo tratamento de dados pessoais no seio desse ensaio.
4. O Promotor é a entidade responsável na medida em que determina a finalidade e os meios do tratamento: vide alínea g) do artigo 2º, nº 2 do artigo 9º, nº 1 do artigo 14º, nº 1 do artigo 16º e nº 1 e 2 do artigo 20º, todos da Lei dos Ensaios Clínicos.
5. O Investigador pratica actos materiais típicos da entidade responsável: presta o dever de informação (alínea b) do artigo 10º da Lei 46/2004 e artigo 10º da LPD), obtém o consentimento dos participantes (alínea c) do artigo 10º da Lei 46/2004 e nº 2 do artigo 7º da LPD), assegura o processamento dos dados pessoais (alínea f) do artigo 10º da Lei 46/2004) e garante a confidencialidade durante o ensaio (alínea g) do artigo 10º da Lei dos Ensaios Clínicos).
6. Por outro lado, o nº 1 do artigo 14º prevê a responsabilidade do Investigador, solidária com o Promotor e objectiva, típica do responsável pelo tratamento de dados pessoais, que responde independentemente de culpa por todos os incidentes e suas consequências decorrentes do tratamento dos dados pessoais.
7. A responsabilidade do Promotor e do Investigador, no que respeita aos danos sofridos pelos participantes, é solidária e objectiva: nº 1 do artigo 14º da Lei 46/2004. 8. Perante a CNPD, a entidade responsável é o Promotor, na medida em que determina a finalidade do tratamento e os meios da sua realização. No que toca às competências do Investigador (prestação do dever de informação de acordo com a alínea b) do artigo 10º da Lei 46/2004 e artigo 10º da LPD, obtenção do consentimento dos participantes de acordo com a alínea c) do artigo 10º da Lei 46/2004 e nº 2 do artigo 7º da LPD, assegurar o processamento dos dados pessoais de acordo com a alínea f) do artigo 10º da Lei 46/2004 e garantia da confidencialidade durante o ensaio de acordo com a alínea g) do artigo 10º da Lei dos Ensaios Clínicos) e no seio das relações internas entre o Promotor e o Investigador, pode haver direito de regresso daquele face a este, mas perante a CNPD a entidade responsável é o Promotor.
IV – Subcontratantes
1. De acordo com o disposto no artigo 16º da LPD, a entidade responsável pelo tratamento pode actuar através de outra pessoa, que age sob autoridade e direcção daquele responsável. Esta pessoa é a subcontratante, no dizer da LPD.
2. Atendendo à alínea h) do artigo 2º da Lei 46/2004, o Monitor é um subcontratante designado pelo Promotor para acompanhar o ensaio clínico e para manter o mesmo Promotor permanentemente informado, nomeadamente sobre as informações e dados coligidos.
3. Nesta função, cabe ao Monitor assegurar que os dados são registados de forma correcta e completa: nº 2 do artigo 11º da Lei 46/2004.
4. Esta garantia é interna, na relação entre o Promotor e o Monitor, pois, perante os participantes, perante as entidades de tutela e fiscalização, como é a CNPD e perante terceiros, a obrigação de manter os dados pessoais com as qualidades previstas nas alíneas b), c), d) e e) do artigo 5º da LPD, bem como a obrigação de respeitar todas as condições da autorização do ensaio, cabe ao Promotor.
5. De igual modo, atendendo ao disposto na alínea i) do artigo 2º, o Investigador (e o Investigador-Coordenador no caso dos ensaios multicêntricos) é um subcontratante do Promotor que se responsabiliza pela realização dos ensaios clínicos nos centros de ensaio. 6. Cabe ao Investigador, em representação e em nome do Promotor, exercer as incumbências previstas no artigo 10º da Lei dos Ensaios Clínicos e praticar os actos previstos nas alíneas b), c), d), f) e g), típicos do responsável pelo tratamento – o Promotor.
7. De resto, cabendo ao Investigador garantir a confidencialidade dos dados pessoais e da informação tratada, tendo em presença o nº 2 do artigo 14º da LPD, o Investigador é, também por esta via, um subcontratante do Promotor.
8. Independentemente de o Investigador, ope legis, assumir juntamente com o Promotor a responsabilidade objectiva e solidária pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos participantes, o responsável pelo tratamento de dados pessoais perante a entidade de fiscalização, como é o caso da CNPD, é o Promotor, sem prejuízo de eventual direito de regresso desta entidade responsável face ao Investigador.
9. Por fim, o Centro de Ensaio pode vir a revelar-se, também um subcontratante, caso haja obrigações que impendam sobre o Centro de Ensaio que correspondam a deveres típicos dos responsáveis pelos tratamentos, como seja a obrigação de garantir a segurança da informação: alínea b) do artigo 2º e artigo 12º da Lei 46004 e nº 2 do artigo 14º e artigo 16º da LPD.
10. Entre o Promotor e os subcontratantes deve haver um contrato ou acto jurídico que vincule o subcontratante ao responsável pelo tratamento, devendo esse contrato ou acto ser notificado à CNPD: nº 3 do artigo 14º da LPD.
V – Categorias e qualidades dos dados pessoais
1. Dados pessoais são, de acordo com a alínea a) do artigo 3º da LPD, “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementosespecíficos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, social ou cultural”.
2. São dados pessoais sensíveis, na classificação do nº 1 do artigo 7º da LPD, os dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada, origem racial ou étnica, dados relativos à saúde, vida sexual e dados genéticos.
3. Os ensaios clínicos tratam, inexoravelmente, dados pessoais sensíveis.
4. Os dados pessoais objecto de tratamento devem ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente à finalidade, bem como exactos e actualizados: alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 5º da LPD.
5. O princípio da proibição do excesso exige que o tratamento dos dados~ pessoais sensíveis advenha da ponderação da indispensabilidade concreta do tratamento desses dados para o alcance da finalidade concreta do tratamento.
6. Compreende-se que no seio dos ensaios clínicos os dados pessoais de saúde dos participantes tenham de ser objecto de tratamento. No entanto, esse tratamento deve limitar-se aos dados pessoais necessários à realização do ensaio.
7. De igual modo, dados da vida sexual, dados da vida privada (como sejam dados pessoais comportamentais, ligados aos usos pessoais, dados pessoais psicológicos e volitivos, entre muitos outros), dados pessoais da origem racial ou étnica apenas devem ser tratados quando estiver cabalmente demonstrada a sua pertinência, adequação, indispensabilidade e não excessividade face à finalidade do ensaio.
8. Em princípio, os dados pessoais ligados às convicções filosóficas ou políticas, à filiação partidária ou sindical e à fé religiosa[2]Como mero exemplo, em relação às pessoas que professam qualquer religião com repercussão nos seus hábitos e práticas, como sejam algumas pessoas pertencentes a religiões que não admitem a … Continue reading estão afastados do tratamento de dados pessoais nos ensaios clínicos.
VI – Condições de legitimidade do tratamento
1. O nº 1 do artigo 3º da Lei 46/2004 afirma, na sequência da epígrafe do artigo que proclama o primado da pessoa, que os ensaios são realizados no estrito respeito pelo princípio da dignidade da pessoa e dos seus direitos fundamentais, prevalecendo os direitos dos participantes, no dizer do nº 2 desta norma, sobre os interesses da ciência e da sociedade.
2. O nº 1 do artigo 7º da LPD proíbe o tratamento de dados pessoais sensíveis.
3. O nº 2 desse mesmo artigo 7º permite o tratamento de dados pessoais sensíveis quando haja disposição legal (lei formal, por força do regime imposto pelo artigo 18º da CRP), consentimento expresso dos titulares ou autorização da CNPD, em virtude da necessidade de prosseguir um interesse público importante e esse tratamento for indispensável para o exercício das atribuições legais ou estatutárias do responsável pelo tratamento.
4. A alínea a) do nº 3 do artigo 7º prevê a admissibilidade do tratamento dos dados pessoais sensíveis quando esse tratamento for necessário para proteger um interesse vital do titular ou de terceiro e o titular estiver impossibilitado de consentir.
5. O nº 4 do artigo 7º permite, ainda, o tratamento de dados pessoais sensíveis quando se destinar à medicina preventiva, ao diagnóstico médico, à prestação de cuidados de saúde ou tratamentos médicos ou à gestão de serviços de
saúde.
6. O nº 1 do artigo 3º da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro diz que a informação de saúde é propriedade do titular e, o nº 3 do artigo 4º desta Lei diz que a informação de saúde apenas pode ser utilizada nos termos do consentimento expresso e escrito do seu titular.
7. Os tratamentos dos dados pessoais sensíveis dos participantes nos ensaios clínicos com medicamentos de uso humano não são efectuados no âmbito do nº 3 nem no âmbito do nº 4 do artigo 7º da LPD.
8. Da combinação destas normas resulta que os tratamentos dos dados pessoais dos participantes em ensaios clínicos com medicamentos de uso humano apenas são admissíveis se os mesmos participantes deram o seu consentimento livre, específico, informado (alínea h) do artigo 3º da LPD), expresso (nº 2 do artigo 7º da LPD e nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro), escrito, datado e assinado (alínea o) do artigo 2º e nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005). Na verdade, embora sejam distintos os consentimentos para a participação no ensaio clínico e o consentimento para o tratamento de dados pessoais, o modo de prestar deve ser uniformizado, para facilitação da formação e manifestação da vontade e para sua melhor compreensão.
9. O consentimento é livremente revogável, a todo o tempo, de forma expressa ou tácita, sem qualquer tipo de responsabilidades nem consequências negativas: nº 2 e 3 do artigo 6º da Lei 46/2004.
10. A participação em ensaios clínicos de menores e de maiores incapazes de darem o consentimento livre e esclarecido, tal como o tratamento dos seus dados pessoais, depende, além de outros requisitos previstos nos artigos 7º e
8º da Lei dos Ensaios Clínicos, do consentimento dos seus representantes legais, prestado nos mesmos termos daqueles que atrás se enunciaram, devendo esse consentimento espelhar a vontade presumível do menor, ser prestado depois de o próprio menor ser informado sobre o ensaio e seus riscos e benefícios, devendo ser respeitada a sua vontade expressa: alíneas a) a c) do artigo 7º e alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 8º da Lei 46/2004. Caso o menor atinja a maioridade no decurso do ensaio, ou caso o incapaz recupere ou alcance a plena capacidade de exercício dos seus direitos durante o ensaio, deve o responsável pelo tratamento cuidar de obter o consentimento expresso
e escrito, nos termos atrás enunciados, destes participantes e titulares.
11. Excepcionalmente, caso o participante titular não estiver em condições de prestar o seu consentimento por escrito, quer para a sua participação no ensaio clínico, quer para o tratamento dos seus dados pessoais, este pode ser dado oralmente, na presença de duas testemunhas: alínea o) do artigo 2º da Lei 46/2004. Neste caso, assume papel de extrema importância a Comissão de Ética para a Investigação Clínica ou a Comissão de Ética para a Saúde, às quais compete pronunciar-se sobre o procedimento de obtenção do consentimento (alínea g) do nº 3 do artigo 20º da Lei 46/2004).
12. O consentimento oral deve ser fundamentado com a explicitação do impedimento, devendo ser provisório, enquanto se mantiver o factor de impedimento de prestação do consentimento escrito, devendo ser substituído pelo consentimento escrito logo que aquele factor desapareça.
13. As testemunhas do consentimento oral devem ser pessoas qualificadas e não devem ter qualquer relação de dependência com o Investigador, com o Centro de Ensaio, com o Monitor ou com o Promotor.
14. O consentimento deve ser obtido pelo investigador: alínea c) do artigo 10º da Lei dos Ensaios Clínicos.
VII – Direito de informação
1. A Lei dos Ensaios Clínicos, em vários momentos, fala do consentimento livre e esclarecido dos participantes: por exemplo, alínea o) do artigo 2º, alínea d) do nº 1 do artigo 6º, alínea a) do artigo 7º, alínea a) e b) do nº 2 e nº 3 do artigo 8º, alínea c) do artigo 10º.
2. Não deve ser confundido o consentimento prestado para a inclusão do participante no ensaio clínico com o consentimento para o tratamento de dados pessoais. É certo que, provavelmente, a participação num ensaio clínico não é possível sem o tratamento de dados pessoais, mas o consentimento exigido para o tratamento de dados pessoais sensíveis tem de ser expresso (nº 2 do artigo 7º da LPD) e escrito (nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro), logo não pode ser extraído do consentimento para participação num ensaio clínico, pois neste caso seria um caso de consentimento implícito.
3. O consentimento para o tratamento de dados pessoais deve ser um consentimento informado: alínea h) do artigo 3º da LPD.
4. Cabe à entidade responsável pelo tratamento prestar ao participante titular dos dados as informações previstas no artigo 10º da LPD.
5. Essa obrigação é cumprida, de acordo com as alíneas a) e b) do artigo 10º da lei dos Ensaios Clínicos, pelo Investigador.
6. A obrigação de prestar o dever de informação deve ser cumprida em termos de o Investigador certificar-se que o participante titular dos dados ficou cabalmente esclarecido quanto aos elementos de que foi informado.
VIII – Direito de acesso, rectificação e eliminação
1. Nos termos do artigo 11º da LPD, o participante titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento, livremente e sem restrições, com periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos, a confirmação da
existência do tratamento dos seus dados pessoais, conhecimento sobre a finalidade desse tratamento, sobre as categorias de dados pessoais tratados, sobre os destinatários dos seus dados pessoais, a lógica subjacente ao tratamento, bem como a rectificação, o apagamento ou bloqueio dos dados e a notificação dos destinatários dessa rectificação, apagamento ou bloqueio.
2. O Promotor cumpre essa obrigação através do Investigador, de acordo com o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 10º da Lei dos Ensaios Clínicos.
3. De facto, é o Investigador quem prestou o dever de informar o participante titular dos dados, é o Investigador que assegura o registo das fichas clínicas e de todas as informações durante o ensaio e quem garante a confidencialidade das informações respeitantes aos participantes, o que se compreende devido à proximidade do Investigador face aos participantes, por um lado e, por outro lado, face à distância do Promotor face aos mesmos titulares.
IX – Sigilo profissional
1. A Lei dos Ensaios Clínicos prevê a confidencialidade da informação existente nos ensaios clínicos, atribuindo a competência para garantir essa confidencialidade ao Investigador.
2. Não se encontra previsto na Lei 46/2004 qualquer dever de confidencialidade em relação a todos os profissionais que acedem aos dados pessoais tratados.
3. No entanto, esse dever de confidencialidade existe em relação a todas as pessoas que tomam contacto com os dados pessoais tratados nos ensaios clínicos, por força do artigo 17º da LPD.
X – Medidas de segurança
1. Tratando-se de dados pessoais sensíveis, o responsável pelo tratamento deve adoptar as medidas de segurança da informação previstas no artigo 15º da LPD.
2. Designadamente, devem ser adoptadas medidas de segurança tais como as seguintes:
a. Diferentes níveis de acesso;
b. Mecanismos de autenticação;
c. Registo de todos os acessos e introduções de dados;
d. Separação lógica dados pessoais de saúde dos dados pessoais administrativos;
e. Acesso diferenciado pelos diferentes médicos e profissionais envolvidos, segundo necessidade (ex: especialidades);
f. Medidas especiais transporte e acesso pelos auxiliares administrativos;
g. Os dados pessoais de saúde, vida sexual e genéticos devem ser separados lógica e fisicamente dos restantes dados pessoais; h. Existência de “packs” de dados pessoais dedicados com informação seleccionada;
3. Deve haver, sempre que possível, anonimização dos dados e, quando tal não seja possível a codificação dos dados de modo a que a identificabilidade dos titulares não seja imediata.
4. A segurança da informação, que permite a preservação das qualidades dos dados pessoais e garante a confidencialidade da informação, é uma obrigação de resultado, independente dos meios e medidas que sejam adoptados, obrigação que, apesar de ser cumprida perlo Investigador, impende sobre o Promotor, enquanto responsável pelo tratamento.
XI – Interconexões
1. Não havendo outra finalidade para o tratamento dos dados pessoais dos participantes em ensaio clínico que não seja o concreto ensaio desenvolvido, de princípio não há lugar a interconexões de dados pessoais.
2. A verificação de condições de admissibilidade de interconexões deve ser feita caso a caso, nos pedidos que obrigatoriamente devem ser submetidos à CNPD pelas entidades responsáveis que pretendam proceder a tais interconexões (nº 1 do artigo 9º da LPD), sendo certo que os requisitos previstos no nº 2 do artigo 9º da LPD tem que estar preenchidos.
3. A interconexão de dados pessoais está sujeita a controlo prévio por parte da CNPD: alínea c) do nº 1 do artigo 28º da LPD.
XII – Comunicação de dados
1. Os dados pessoais tratados pelo responsável pelo tratamento, directamente ou através dos seus subcontratantes, não devem ser comunicados a terceiros.
2. Não deve ser confundida a comunicação de dados pessoais a terceiros com a comunicação de dados pessoais dos participantes entre os centros de ensaio envolvidos num ensaio multicêntrico. Nesta comunicação de dados pessoais não existe comunicação de dados pessoais a terceiros, existe tão-só a circulação de dados pessoais entre centros de ensaio mas cuja entidade responsável e finalidade são os mesmos e um só.
3. A comunicação de dados pessoais a terceiros, para finalidade distinta da do ensaio clínico, deve ser submetida a autorização prévia da CNPD: alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 28º da LPD.
XIII – Transferência de dados para fora da União Europeia
1. A transferência de dados pessoais para um país que não pertença à União Europeia só pode realizar-se se esse Estado assegurar um nível de protecção de dados pessoais adequado, de acordo com a decisão da CNPD: nº 1 e 3 do artigo 19º da LPD.
2. A adequação do nível de protecção de dados conferido a um Estado que não pertença à União Europeia é avaliada em função de todas as circunstâncias que rodeiam a transferência, nomeadamente, a natureza dos dados, a finalidade e duração dos tratamentos, os países de origem e de destino envolvidos, as regras de direito gerais e sectoriais em vigor no Estado destinatário, as regras profissionais e as medidas de segurança respeitadas nesse Estado: nº 2 do artigo 19º da LPD.
3. Tratando-se de dados pessoais de saúde, objecto de rigorosas regras éticas e legais ligadas ao sigilo e à confidencialidade, sendo dados pessoais sensíveis, merecedores de especiais regras de segurança, tratando-se de uma finalidade que requer um tratamento limitado no tempo (período de realização do ensaio clínico), os critérios de aferição do nível adequado são exigentes.
4. A transferência de dados pessoais dos participantes para um país fora daUnião Europeia pode ser feita se o responsável pelo tratamento obteve o consentimento livre, específico, informado, expresso, escrito, datado e assinado para essa transferência: nº 1 do artigo 20º, nº 2 do artigo 7º, alínea h) do artigo 3º da LPD, nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005, alínea o) do artigo 2º da Lei 46/2004.
5. Quanto às excepções previstas nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 20º da LPD, há a salientar que deve conhecer uma interpretação restrita o “interesse do titular” e “o interesse público importante”, uma vez que se tratam de
derrogações a uma regra proibitiva.
XIV – Prazos de conservação
1. De acordo com o disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 5º da LPD, os dados pessoais objecto de tratamento devem ser conservados apenas durante o período necessário à prossecução da finalidade.
2. Aqui, os dados pessoais dos participantes apenas devem ser conservados pelo responsável pelo tratamento, bem como pelos subcontratantes, durante o período de curso do ensaio clínico.
3. Caso os participantes tenham revogado o seu consentimento e/ou exigido o seu direito de eliminação dos dados, bem como no caso dos participante virem a ser, desde o início do ensaio ou em momento superveniente, excluídos do ensaio clínico, devem os seus dados pessoais ser destruídos e lavrado auto dessa destruição, devendo esse auto ser notificado à CNPD.
4. No final do período de conservação os dados pessoais dos titulares devem ser destruídos, devendo ser lavrado auto de destruição desses dados e ser este auto notificado à CNPD.
XV – Anonimização, codificação e acesso aos dados pessoais
1. Devem os dados pessoais ser codificados de tal forma que a identificabilidade dos seus titulares participantes no ensaio clínico seja indirecta e remota.
2. Apenas devem ter acesso aos dados pessoais os intervenientes no ensaio clínico que tiverem absoluta necessidade – indispensabilidade – de conhecer esses dados para exercerem as suas funções.
3. As Comissões de Ética para a Investigação Clínica e as Comissões de Ética para a Saúde apenas devem ter acesso aos dados pessoais para verificarem da conformidade procedimental da prestação dos consentimentos dados pelos titulares participantes.
Lisboa, 16 de Julho de 2007
Eduardo Campos (Relator)
Luís Barroso
Ana Roque
Carlos Campos Lobo
Helena Delgado António
Vasco Almeida
Luís Lingnau da Silveira (Presidente)
References
↑1 | Sobre estes pontos, ver Declaração de Helsínquia, adoptada pela Associação Médica Mundial em 4 de Dezembro de 2001 |
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↑2 | Como mero exemplo, em relação às pessoas que professam qualquer religião com repercussão nos seus hábitos e práticas, como sejam algumas pessoas pertencentes a religiões que não admitem a transfusão sanguínea, não é necessário proceder ao registo e tratamento do dado pessoal referente à fé religiosa, bastando, com pertinência, necessidade e não excessividade face à finalidade do ensaio, proceder ao registo e tratamento do dado objectivo “inadmissibilidade de transfusão de sangue”, sem necessidade de referência à fé religiosa professada pelo titular |